Cristiana Brito: “Ele me ameaçou. Mas ter aquela vida era o mesmo que morrer”
João Pedro Pitombo l A TARDE
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Thiago Texeira l Ag. A TARDE
Cristiana: “O fortalecimento do combate à violência contra a mulher é fundamental
A união veio pelo matrimônio. A discórdia pela bebida e pelo peso da mão. A separação se concretizou no poder destrutivo da lâmina de uma faca. Município de Ichu, sertão baiano, 19 de janeiro de 2009. As cenas vêm como flashes na mente de Cristiana Brito, 31 anos: ela chega em casa. O marido surge com a faca de cozinha nas mãos, a puxa pelos cabelos e começa a cortá-los. Aos gritos, diz que vai matá-la.
A tragédia não acontece por pouco: o barulho chama a atenção da família e dos vizinhos. O pai de Cristiana vai resgatá-la e bate com força na cabeça do agressor com um pedaço de madeira. Este, revida e faz tombar o senhor de 67 anos. Com violência, dá chutes no sogro até o rosto dele ficar desfigurado e empapado de sangue.
Onze meses depois. De vestido estampado, pulseiras prateadas, batom vermelho e uma maquiagem levemente azulada, Cristiana caminha pelo pátio do Instituto Anísio Teixeira, em Salvador. No auditório, governador e secretários tecem loas sobre os feitos na agricultura familiar. Na condição de presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ichu, ela dá pouca bola ao discurso e sorri. As lembranças ruins ficaram no passado.
A trabalhadora rural Cristiana Brito é mais uma dentre tantas vítimas da violência doméstica. O enredo é parecido ao de muitos outros casos: “No início era uma maravilha. Apesar de ele não ter um trabalho certo, vivíamos bem. Mas ele passou a beber muito e a ficar cada vez mais agressivo”, lembra Cristiana. “Quando eu comecei frequentar o sindicato, as coisas pioraram. Ele não concordava que eu trabalhasse e chegou a me trazer arrastada de volta para casa. Não demorou para ele começar a me bater”“, lembra.
De um caso isolado, a violência se tornou rotina. Trabalho, volta para casa, cheiro de bebida no ar. Na sequência, vinham os gritos, os tapas, o olhar assustado e choro dos filhos. “Não tinha mais amor, não conseguia beijá-lo nem abraçá-lo. Tentei me separar, mas ele dizia que se eu o largasse, me mataria. Mas viver aquela vida era o mesmo que morrer”, recorda Cristiana.
Denúncia - O medo se transformou em iniciativa. A denúncia foi feita por Cristiana logo após o episódio em que o ex-marido, Melque Edeque dos Santos, a agrediu com uma faca.
Enquadrado na Lei Maria da Penha e detido por três meses, o agressor responde em liberdade a dois processos: um por violência doméstica e outro pelas agressões ao ex-sogro. Em paralelo, corre na justiça um processo de separação consensual do casal.
Para Cristiana, que já chegou a dormir com uma faca debaixo do travesseiro por medo do ex-marido, o temor é uma página virada. Apesar dos incidentes, ela diz não guardar rancor do ex-marido. Mas nem pensa em tê-lo por perto, missão difícil num município de seis mil habitantes. Deixa as lembranças de lado e recupera o tempo perdido ao lado dos três filhos.
Na família, o sentimento é de alívio. O pai, Manoel Ramos, fala com o orgulho da filha, única dentre os dez filhos que não trocou Ichu pela cidade grande. Do incidente do início do ano, ficaram as cicatrizes no rosto. É de poucas palavras, mas deixa as suas lições: “Homem não pode levantar a mão para a esposa. Se não deu certo, vai cada um para seu lado. O mundo é grande e nos ensina muito. O mundo é o nosso mestre”, diz o velho sábio, com sua voz pausada e retidão sertaneja.
Fonte: Jornal A Tarde em 01.01.2010
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